terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Desencontros


Sentiu cheiro de café. Mas não qualquer café, era o café dela. Repentinamente largou as flores e correu para a cozinha, mas não havia nada. Nem café, nem cheiro, muito menos ela.

Sofreu, aliás sofria há 20 anos, a medida que os anos passavam pensava cada vez mais nela, e ela era tudo que ele era capaz de lembrar. Desde aquela tarde que saiu para comprar cigarros e nunca mais soube voltar, não sabia mais seu nome, seu endereço, se era casado, se tinha filhos... sabia dela, apenas ela.

E uma coisa garanto, a pior dor é daqueles que não sabem, não se sabe se chora pela morte, não se sabe como procurar pela vida, nada.

Talvez ela pudesse ser uma das velhinhas que fazer tricot na sala ao lado, ou uma das velhas que roncam durante a noite e atordoam seus sonhos, até quem sabe já tenha cheiro de crisântemo, que cheira como a morte, quando se está morto.

E por não saber, chamou-a de margarida, bela como as flores que embelezam o abrigo imundo que guarda as memórias e as saudades daquelas tantas histórias escritas, vividas e esquecidas pelo alzheimer dos senhores e senhoras que ali residem.

Esperava todos os dias em frente ao portão por alguém que viesse te procurar, esse alguém sentaria e explicaria tudo que havia ocorrido naquela tarde e nos 20 anos seguintes, traria uma criança no colo e a apresentaria como Esperança, sua bisneta.

Em seguida explicaria que o nome da criança representava o sentimento da família em relação ao seu sumiço, contaria quanta falta ele havia feito como pai, marido e avó. Se abraçariam, voltariam para casa e ele jamais sofreria novamente.

Infelizmente, nem ao menos esperança ele nunca encontrou. Mas em uma tarde fria de outono, do sono após ao café, ele não acordou. Chamaram a ambulância, Dra. Esperança, bisneta de Margarida, correu para tentar salvar o velhote. Tarde demais, a angústia havia chegado primeiro.

2 comentários:

Arthur disse...

Estamos fadados a divagar sobre amores, envelhecimento e nossos ônibus. Talvez viver seja só isso mesmo, gostar, morrer e andar entre os atos.

Texto muito legal, apesar de ser angustiante, a sensação de desamparo fica bem forte.

Rafael Spínola disse...

muito bem feito o texto fer, envolve mesmo e passa a angustia.