sábado, 27 de novembro de 2010

Carta ao povo

Prezados,


Sim, sou a favor dos direitos humanos, principalmente porque esta guerra não começou hoje e não vai acabar hoje, nem amanhã, nem daqui quinze dias.
Gostaria de lembrar que existem moradores, existem crianças lá dentro, e existe memória. Sim, porque a polícia pode entrar lá agora e matar, cem, duzentos ou mil traficantes, e estampar nas capas de todos os noticiários que obteve êxito na operação.
Mas todas as crianças lá dentro vão lembrar dos tiros que furaram a parede e dos momentos de pânico que viveram na tarde de hoje e daqui três semanas existirão mais centenas de traficantes, não é com guerra que se combate a cultura do tráfico.
Gostaria de lembrar que no Complexo do Alemão tem apenas 2 escolas, para uma população de 65 mil habitantes. O Estado que sobe o morro, é o do caveirão, e e este o Estado que vai ficar na memória das crianças, das mulheres, dos trabalhadores, dos idosos de hoje.
Me dá arrepios ouvir o apresentador do noticiário mandando o traficante "ser esperto pelo menos uma vez na vida", e eu me pergunto e te pergunto, quais foram as oportunidades dadas para eles serem espertos na vida? Gostaria de lembrar que são 2 escolas para 65 mil habitantes e olha que nem estou entrando no mérito da qualidade das escolas.
Então é muito fácil colocar a culpa nos usuários de drogas, na população da favela, do que perceber que na realidade a culpa é do Estado que governa pra quase ninguém, e de quem fica mantendo esse sistema de merda.
Não tô tirando a culpa dos criminosos, pelo contrário, gostaria apenas de mostrar que o criminoso é fruto de uma sociedade que não foi criada por ele, nem tampouco escolhida por ele pra viver, ou alguém conhece algum morador da Zona Sul que achou legal mudar pro morro e entrar pro tráfico?
Espero de verdade o sucesso da negociação, para que a paz seja instaurada sem precisar derramar mais sangue, e que pela primeira vez esta população possa conhecer um estado que não seja fardado de preto e com fuzis na mão.

Com esperança,
Fernanda.

domingo, 14 de novembro de 2010

laços

Eu amei.
Cada palavra, cada fotografia imaginada mas não realizada, cada bom dia, cada café da manhã na cama com beijos recheados de sono.
Tanto amei que quando você foi embora, não chorei.
Olho os presentes dos padrinhos amontoados pela sala e os convites do casamento que foram devolvidos, e mesmo diante deles sou incapaz de chorar. E não chorarei, as pessoas que pensem o que quiserem pensar, não me importo.
No dia que você fechou esta porta com a mochila nas costas dizendo que jamais voltaria, eu entendi o que era o amor. E ele é isso que eu não sei decifrar, isso que não me deixa chorar, porque me conforta nos nossos sonhos e nas nossas lembranças.
Te amo porque sei que você deveria ir embora, porque não te quero só pra mim, te quero para você.
Não quero te pedir pra voltar, e não sei se quero que você volte. Quero sentir o aperto no estômago a cada vez que o telefone tocar, ou o carteiro chegar, mesmo sabendo que não será você.
Não me dói você ter ido embora, nem me entusiasma o fato de você voltar.
Eu te amo, simplesmente por te amar, e isso cabe apenas a mim.