sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Comodismo

Era apenas mais uma manhã. Ele acordou, tomou seu café sem açúcar e leu o jornal diário. Considerou todas aquelas notícias uma merda, todos os dias ele considerava uma merda.
Pegou o mesmo ônibus lotado de todas as manhãs, reclamou da vida com o sujeito que entretido com seu aparelho de som não escutava.
Abriu seus e-mails, e reclamou mais uma vez. Quinze e-mails da mesma corrente, pensou como essa gente era idiota. Como se salvaria o mundo encaminhando aquela porcaria para no mínimo quinze pessoas? Mas isso não era o pior, sabia que no fundo havia recebido aquele e-mail de quinze pessoas que acreditaram na frase maiúscula e vermelha que dizia que Samara visitaria sua cama caso aquilo não fosse repassado ao menos para uma pessoa. Sentiu ódio, desligou o computador e resolveu tomar mais um café.
Na Cafeteria as pessoas olhavam obcecadas para um daqueles casos sensacionalistas que passam na televisão. Desta vez sentiu desprezo por aquela massa de imbecis que não tinham nada de útil para fazer além bisbilhotar e se comover com a vida alheia. Desistiu do café.
Acendeu um cigarro, lembrou dos tempos de faculdade, lembrou da raiva que sentia com a desilusão dos professores em relação ao mundo e pela primeira vez viu sentido naquilo tudo, e isso o incomodou profundamente.
Voltou ao trabalho, fez o que fazia todos os dias.
Chegou em casa, levou o cachorro pra passear. Neste momento sentiu um amargo na garganta, resolveu dividir tal aflição com uma garrafa de whisky, e conforme as doses aumentavam, o amargo se intensificava.
Percebeu que era tão passivo quanto todos aqueles que repudiava, de que havia adiantado os anos na Academia, as reflexões, as resenhas, os seminários, porque no fundo havia se passado mais um dia e ele não havia feito nada. O whisky passou a descer cada vez mais amargo e sentiu vergonha de si mesmo, vergonha por reclamar de tudo, por estar bêbado, por ter gasto o aluguel naquele whisky, por fazer tudo aquilo que repudiava, mas sobretudo, mais do que todos os outros, por ter esquecido de todos os ideais que tanto prezava quando era jovem.

2 comentários:

Cidão Mascarenhas disse...

me chamou atenção esse final "por ter esquecido de todos os ideais que tanto prezava quando era jovem." Sinto que as pessoas vão ficando mais velhas e vão meio que se entregando, se conformando... todos dizem que aquele ideal de mudar o mundo era "fase", mas será que essas mesmas pessoas que dizem isso não foram aquelas que deixaram pra lá e se entregaram ao conformismo? ou será que elas tentaram lutar até o fim e foram vencidas pelo mundo? sei lá prezo muito pra não virar mais um "adulto"

Arthur disse...

Sinceramente, eu tenho certeza de que o amargo na garganta é culpa do café sem açúcar.

Estou convicto de que, ainda que o planeta oprima sua moral e seu caráter até trancá-los fundo na memória, aquela centelha ingênua e idealista dentro de você representa uma vitória heróica. Ser capaz de viver sobre seus próprios pés já é desafiar o mundo.

Andar com eles é ganhar a luta antes mesmo dela começar.