segunda-feira, 28 de julho de 2014

Todo barco tem seu cais


A sala da casa do Neruda tem formato de casco de navio. Me contou um desconhecido em Santiago há exatamente um ano atrás. Em seguida ele me explicou que Neruda se apaixonara por navios desde sua primeira viagem ao exterior e desde então passara a vida rodeado de barcos.
Me senti Neruda. Como se já não bastasse nosso romantismo dramático latente, agora tínhamos um amor em comum.
A verdade é que quase nunca tive medo de mudanças, exceto uma vez. Foi na terceira série, ao final das apresentações natalinas de turma, chorei muito. Tinha pavor de pensar no ano seguinte em uma nova escola e em deixar aqueles amigos para trás.
No ano seguinte tudo correu bem. Ruborizo em assumir que não me recordo nem dos nomes dos colegas daquela tão amada turma.
Depois desse episódio, tudo foi diferente. Poucos anos se passaram e muitos outros mares foram navegados.
Penso em Neruda. O vejo debruçado em um daqueles grandes navios que viajam da América para a Europa.
Penso em mim. Me vejo em um barquinho modesto e aconchegante como aqueles que atracam na mureta da Urca. Lembro de um em especial. Sou pequena como ele, ainda não suporto grandes viagens como o velho Neruda. É que as vezes preciso voltar para o meu cais.
Sempre soube que um bom navegante é forte e decidido. Nunca deixa escapar suas fraquezas, mas hoje quero assumir o quanto é doloroso partir com o navio do cais.
Cada vez que esse barco deixou o cais, lágrimas silenciosas inundaram toda sua superfície. Confesso que tantas vezes dei a volta no timão no sentido de regressar.
Então pensava o que seria do mar se todos os navegantes voltassem para o cais. Conclui que o mar precisava dessas lágrimas e eu precisava desse mar.
Agora pela tarde navega meu barquinho. Pensando na próxima parada e aguardando o próximo retorno.


Para todos aqueles que sempre estarão no cais aguardando meu barquinho.

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