sexta-feira, 30 de abril de 2010

admirável velho mundo.

Outono, época que as ruas se enchem de folhas, as árvores parecem secas e calor e frio se misturam deliciosamente.
Eram amigos, apenas amigos, desses que não se encontram mais no orkut, que nunca dizem que se amam e que abrem a porta da nossa geladeira. Caminhavam pelas ruas de Santa Teresa, buscavam um bar aberto as sete horas da manhã. 4,70, o valor das passagens até a Tijuca, era tudo o que tinham, estavam dispostos a trocar toda sua fortuna pelo prazer de uma garrafa de cerveja gelada, era apenas uma cerveja, isto é o que você leitor pode vir a pensar, mas definitivamente não era.
A cerveja era o ápice da realização naquele momento, se pudessem fazer qualquer desejo naquele momento, certamente seria aquela garrafa de cerveja; mulheres, dinheiro, mulheres e dinheiro, mulheres,dinheiro e sucesso, um caminhão ou uma fábrica toda de cerveja, bobagem, nada dessas banalidades substituiria aquela garrafa de cerveja.
Há aquela altura do campeonato não importava o quanto teriam que andar até em casa se gastassem aquele dinheiro com o mel, nem que demorassem toda a eternidade, nada mais importava, nada poderia importar.
Antes, sair para tomar uma cerveja seria a coisa mais normal e banal do mundo, como se levantar e escovar os dentes, todavia agora a situação era outra.
As pequenas ruas que onde antes corriam atras dos bondes, pareciam longas e intermináveis e apesar do cansaço eles não desistiram, seguiam vagarosamente por aquelas vielas, conversando o mesmo de sempre, bundas.
Chegaram até o bar, ou seria melhor dizer o templo, afinal não se tratava apenas de um bar, era um local de adoração, o seu zé, a mesa ideal, o líquido, a temperatura, tudo deveria estar nos conformes.
Entraram no bar e avistaram a mesa do canto esquerdo, abaixo da janela, ela continuava ali, intacta, inclusive com os arranhões no plástico com as iniciais "PJBA", lágrimas surgiram dos olhos dos três e com um nó na garganta se sentaram na mesa, mas um lugar estava vazio.
Haviam se passado 50 anos, Paulo, Bruno e Adriano voltavam do enterro de José, pela primeira vez a turma da esquina não estava completa, e dali por diante não estariam nunca mais, porque aqueles 50 anos se passaram tão rápido, eles não conseguiam entender; dinheiro, trabalho, viagens, compras de supermercado e tudo mais aquilo que parecia importante, não deixou espaço para idiotices como a cerveja de domingo, mas agora tudo era diferente, naquele momento eles perceberam que trocaram tudo que não era importante, por aquilo que realmente valia a pena. Tratava-se de felicidade, como uma cerveja causava mais felicidade do que os vinte e cinco anos dedicados aquela empresa, a nova tv de LCD, o i-phone, as idas anuais a Europa, nada, nada era o suficiente para preencher o espaço da cerveja de domingo. Até que no meio das lamentações aparece o Zé, abre a cerveja, enche os copos baratos. Um brinde, as bundas, é claro. E mais uma vez as bundas foram o assunto da manhã inteira. Depois disso, nunca mais se viram, ou melhor, se encontraram, mais duas vezes, nos outros dois velórios, sempre seguidos do velho ritual.
Devem estar por aí, em algum lugar com um copo barato, uma cerveja gelada e falando sobre bundas.

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